A Velha Cadeira do General

Thiago Pinheiro
3 min readSep 7, 2021

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Um conto sobre decisões

- NHÉC, NHÉÉÉÉÉC

O som da velha cadeira de balanço irritava a todos, mas o velho era cheio de manias e uma delas era que só queria ler enquanto se balançava. O tapete que sua esposa providenciou para suavizar o som da cadeira, com uma desculpa estética qualquer, deixou de ser centralizado na sala para ficar quase colado em uma das paredes. Claro que essa movimentação só serviu para que a cadeira continuasse o seu contato com o chão, produzindo, assim, a trilha sonora das leituras.

A casa era grande e a família, farta. Ao redor da cadeira, muitos espelhos, quadros e fotografias em paredes que os filhos brincavam que ganhariam várias fichas catalográficas um dia, como em um museu.

O caçula, que sofrera por mais tempo àquela interminável agonia, tratou de logo comprar uma modernidade dessas que era até pecado compará-la à barulhenta cadeira. O presente foi logo deixado de lado, fazendo companhia às inúmeras reclamações dos vizinhos.

Ele era um general, acostumado às muitas formalidades e as regalias, a mandar e a ser obedecido. Mas era curioso que, quando havia visitas na casa, a cadeira não era usada. A leitura era deixada de lado e aquele cantinho da sala parecia ser inabitado. Nem de longe ganhava a atenção dos demais dias. Quando confrontado com o fato, resmungava e atacava quem estivesse fazendo a acusação, levando a plateia às risadas.

Mas o fato é que a cadeira continuava lá e uma das atividades preferidas dos filhos era bolar planos para sequestrá-la. De fato, parecia que aquele objeto indesejado era um fator de união entre os irmãos. No celular, a foto da cadeira cuidadosamente envelhecida ornamentava o grupo da família.

Só que destruí-la constituiria uma mera vingança contra o pai. Haveria o risco de ele arrumar outra cadeira e colocá-la no lugar, embora sempre se perguntassem se seria possível alguma coisa neste planeta reproduzir aquele som infernal, tamanha era a tortura causada por anos e anos de convivência. E a irmã sempre alertava para os riscos de morte do velho por uma emoção forte.

E eles pensavam: poderiam deixar o general fazer o que quisesse? Ele tinha o direito de causar mal à sua mãe por tanto tempo? E os vizinhos? Foram tantos que passaram nos apartamentos ao lado e abaixo que foram incapazes de listar quem eram os moradores que estiveram por lá no último Natal.

Mas, quanto à ação, ninguém chegava à nenhuma conclusão; todos tinham mil ideias, mas o medo de agir imperava. A mãe, coitada, parecia conformada com o destino. A empregada passava o dia com fones de ouvido — e essa era a que mais tempo tinha de casa, já que todas as demais abandonaram rapidamente o ofício.

O tempo passou e nada mudou. Quer dizer, nada para o velho general. A mãe se convenceu que ouvia aquele maldito “NHÉC, NHÉC” em toda a parte e isso não estava fazendo nenhum bem à ela. Pouco a pouco, o sono foi diminuindo, a saúde foi se debilitando e, enfim, ela se foi.

Os filhos, revoltados e arrependidos, sumiram da casa. As novas empregadas, todas sem fone de ouvido, não duravam muito tempo.

Nunca mais haveria preocupação, agora a cadeira estava livre para ser usada o tempo todo pelo velho general.

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