Faltam 7 minutos
O 30 de novembro simbolizou parte da história recente do Botafogo. É hora de lembrá-la.
Sempre nos faltou muita coisa, mas o telão com o +7 nos soava como uma placa em uma estrada na qual estivemos perdidos por muito tempo e que estava apenas escrito: casa. Faltava pouco, muito pouco.
O jogo pareceu simbolizar toda a nossa existência. O cartão, uma lembrança de como tivemos que sobreviver: remando mais do que os outros. Seja com venda de sede, dirigentes canalhas e uma “mídia suja”, como cantamos no hit de 2024.
Com o cartão, as mãos às cabeças foram inevitáveis. Lá do estádio (qualquer um dos dois), a torcida passou a “olhar para o céu e perguntar “por quê?”. Parecia que aquele jogo, com tudo que aconteceu, seria a “prova definitiva de que havíamos, enfim, com todo o esforço para chegar à Argentina, completado a longa e penosa estrada de humilhações (…).”
As aspas do parágrafo acima são de 2007, escritas diretamente em um guardanapo no McDonald’s do obelisco de Buenos Aires, no dia seguinte à tragédia no mesmo estádio Monumental. Ali, provavelmente, nunca estivemos tão baixo.
De lá para cá, sobrevivemos. E a questão sempre foi “como?”. Por vezes, parecíamos brigar com a realidade, enquanto cabeças brancas completamente desapegados de amor pelo clube satisfaziam o seu ego — quando não os seus bolsos — torturando-nos com gestões que nos relegavam aos porões do futebol.
Mas a gente continuou. A qualquer sombra de esperança, estávamos lá para lembrar aos dirigentes, imprensa e rivais quem realmente éramos. E que, por nós, poderia e deveria ser diferente.
É curioso escrever isso e voltar ao campo do Monumental agora após a expulsão. Lembrar do Luís Henrique com as mãos no rosto e pensar como aqueles caras continuaram a correr. E corriam, como corriam.
E por correrem, a gente voltou à vida. A acreditar e a lembrar de tudo que fizemos. De todas as festas, de levar mais de 40 mil pessoas a outro país. De quem somos. Levantamos os braços e a voz, mas não estava fácil. Só que felizmente, como em boa parte de nossa história, não era hora de razão.
Não fomos nós que, ano após ano, mesmo sabendo que a possibilidade de salvação do clube diminuía, não nos afastamos? A gente passou por um comitê de futebol; por um vice executivo que argumentou que não poderia trocar o telão pois não sabia a marca; por um traficante, preso, que ligou para o nosso presidente querendo marcar um jogo amistoso no presídio. Até nós, a torcida, culpavam pela incompetência e descaso, em um ritual que parecia unir dirigentes de todos os lados.
Não há nada, absolutamente, nada que não tenhamos passado. Logo, a gente não poderia deixar de acreditar. Não tínhamos esse direito. E até a salvação chegar e rompermos com o passado, estivemos lá, como se disséssemos que dali não passaria.
E não passou. Até a salvação chegar.
O gol do Luís Henrique e aquele 13 de janeiro de 2022 foram libertadores. Eram riscos no chão impondo um limite e gritando sobre quem somos agora, como se nada mais pudesse nos roubar do destino. Do que a gente sempre sonhou.
Parecia que nada poderia nos segurar; mas veio o 2º semestre de 2023 — e o 2º tempo. A gente sofreu, é verdade. E nessa hora, lá do campo, voltava tudo. Seria necessário passar por tudo novamente, um longo tempo (ou um longo ano) para, enfim, acabar como queríamos.
Foi um inferno. Parecia que não seria possível. A sequência de ataques não parecia ter fim, enquanto não tínhamos força para sair das cordas. Só que, como soubemos — da pior maneira possível — que 2023 iria acabar, aquele tempo interminável também chegaria ao fim. E a placa subiu.
A placa provocou sorrisos pelo seu número. Ela fez recordar 1989, mesmo em quem não estivesse por lá. Não sabíamos ainda das coincidências que muitos apontaram depois, mas ela parecia um bom sinal, como a nossa casa.
Lá, como aqui, nada mais parecia importar. O nervosismo imperava, claro, mas havia uma crença que nos protegia, como se soubéssemos que havia algo a mais do nosso lado. O que a “linda jogada de Junior Santos” deixou claro que era verdade.
O Monumental do passado não existia mais. Nem aquele passado que insistia em nos puxar para aonde não éramos nós. É, sim, tempo de Botafogo, campeão, enfim, da Libertadores!
OBS: Todas as fotos são minhas (Thiago Pinheiro)