“Obrigado por terem feito algumas canções da trilha sonora da minha vida”

Thiago Pinheiro
4 min read3 days ago

--

A relação com a nossa banda favorita tendo o show do The Damned como exemplo

The Damned no Cine Joia (Thiago Pinheiro)

Quando gostamos de uma banda, queremos fazer com que o mundo inteiro a ouça. É natural, como se fôssemos catequizadores em busca do rebanho perdido. Basta expô-los à luz e pronto: juntar-se-ão à manada.

Talvez não seja tão literal assim o processo; mas um “ouve isso aqui”, seguido do play naquela banda que você ama, soa como um abrir de portas da sua personalidade ao mundo. Por que é aí que entra a nossa incoerência: se a música é identificação — ou, ao menos, eu acredito nisso — não há como querer que alguém repita a sua experiência e seja fã daquela banda que é tão especial para você.

Talvez eu viva alguma coisa entre “500 dias com Ela” e “Alta Fidelidade”. Esqueça, nos 2 filmes, a parte dos relacionamentos, mesmo que seja a base deles. Falo de algo próximo da fé, como se o destino e aí, sim, todas as relações, pudesse ser determinado por canções. Mas o que certamente me diferencia é que eu não espero que você ouça a minha banda favorita. Eu espero que você entenda o quanto ela é importante para mim.

As canções deveriam nos bastar. Somos nós e elas contra o mundo e, com sorte, pelo mundo. Nós vamos crescendo, vivendo e elas estão por lá, embalando a nossa vida. Seja quando queremos esquecer, reforçar algo ou até mesmo procurar respostas. E ontem, aqui em São Paulo, eu tive oportunidade de sintetizar isso com uma única frase: “obrigado por terem feito algumas canções da trilha sonora da minha vida”.

A frase, em inglês, foi dita em direção ao grupo inglês The Damned, pioneiros do punk e, também, do gótico e do hardcore. Estava na fila de autógrafos, algo que nunca fiz na minha vida. Rat Scabies, o baterista, um senhor de 69 anos, respondeu, surpreso com um “wow”, no que foi seguido por um “Thanks!” e uma mão esticada na minha direção por parte de Captain Sensible, o lendário e folclórico guitarrista, enquanto fazia uma piada para mim sobre o Damned ser melhor que o The Clash — não sei de onde ele tirou essa piada, mas eu mentalmente pedi desculpas ao Mick Jones, ri e concordei.

The Damned na London Calling Discos (Thiago Pinheiro)

Eu já havia dito algo semelhante para Pete Shelley, o falecido vocalista do Buzzcocks, em um show no Circo Voador. Não foi fácil, meus amigos praticamente tiveram que me empurrar na direção dele até eu conseguir falar algo. Mas a alegria dele ao ouvir a frase foi maravilhosa e me fez prometer a mim mesmo que eu jamais teria vergonha de agradecer a quem tanto fez pela minha vida. Afinal, o que seria de nós sem as músicas que amamos?

E enquanto eu estava no show do The Damned no Cine Joia, encerrado há 2 horas e 15 minutos, eu pensava em muito do que vai acima. Não nas frases que escrevi, mas nos sentimentos provocados pelas músicas e das muitas lembranças. E de quantas e quantas vezes eu havia escutado aquelas mesmas músicas que estavam sendo cantadas por Dave Vanian na minha frente. Era a minha história ali em “I Just Can`t Be Happy Today”, “Life Goes On” (plagiada pelo Nirvana), “Stranger on the Town”, entre muitas outras. As letras vinham naturalmente, como se eu estivesse em um ônibus, sentado na cama ou em um lugar chato onde o fone tornava-se o escudo para o mundo.

O single de "White Rabbit" autografado (Thiago Pinheiro)

Foi a minha 3ª vez vendo o The Damned. Pela 1ª vez, Dave Vanian, o Elvis gótico, estava ainda mais solto e dançou como nunca tinha visto. Rat Scabies, de volta à banda após uma longa ausência, deixou as canções mais cadenciadas, sem perder a velocidade. Captain Sensible é o showman de sempre e uma das melhores guitarras a sair da Inglaterra naquele período. Paul Gray soa como um espelho na casa do Duff McKagan: é tudo que o baixista do Guns ’n’ Roses queria ser.

Eu cantei todas, do início ao fim. E nunca irei me esquecer de nada. Obrigado, Damned, por tudo.

Links:

Playlist do The Damned no Spotify (criada por mim)

“New Rose” (1º single do punk inglês — regravada pelo Guns ’n’ Roses no Spaghetti Incident)

“Fan Club” (do 1º álbum, de 1977, quando a banda já começava com temas mais obscuros que a levariam ao gótico)

"See Her Tonight" (também do 1º álbum, com elementos do hardcore)

"Curtain Call" (1980–17 minutos, quando já estavam mais perto do gótico que dominou os anos 80)

"Eloise" (cover de Barry Ryan, número 3 nas paradas, melhor resultado da banda)

--

--

Thiago Pinheiro
Thiago Pinheiro

Written by Thiago Pinheiro

Jornalista e fugitivo arrependido do curso de Literatura

No responses yet